O maior nível de juros desde 2006 segue como o principal instrumento do Banco Central para garantir que a inflação, agora em 4.46%, continue sua convergência em direção à meta.
Em sua última reunião de 2025, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu, por unanimidade, manter a taxa básica de juros (Selic) em 15% ao ano. A decisão, já esperada pelo mercado financeiro, marca a quarta reunião consecutiva com os juros inalterados e consolida o maior patamar desde julho de 2006.
A justificativa reside nos dados mais recentes: enquanto a inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apresentou em novembro o menor resultado para o mês desde 2018, ficando em 0.18%, o índice acumulado em 12 meses permanece em 4.46%. Esse valor, embora tenha voltado para o limite da meta do governo (4.5%), ainda exige cautela. O BC adotou uma postura vigilante, indicando que manterá os juros em um nível elevado por um período prolongado para assegurar a convergência da inflação de forma sustentável.
O cenário econômico por trás da decisão
A decisão do Copom não ocorre no vácuo. Ela é um reflexo direto de um complexo equilíbrio entre o recuo da inflação e uma economia que mostra sinais de desaceleração. Para entender a estratégia do BC, é fundamental analisar os principais indicadores que moldam o cenário atual.
- Inflação Sob Controle, Mas Vigilância Mantida: O IPCA de novembro, de 0.18%, foi influenciado por quedas em itens como leite longa vida (-4.98%), tomate (-10.38%) e arroz (-2.86%). No acumulado de 12 meses, os 4.46% representam uma queda significativa em relação aos 5.53% registrados em abril. Este movimento permitiu que o índice retornasse ao intervalo de tolerância da meta contínua de inflação, que é de 3%, com margens entre 1.5% e 4.5%. Projeções do mercado, como as do boletim Focus, indicam que a inflação pode fechar 2025 em 4.40%, dentro do teto da meta.
- Crescimento Econômico Moderado: Enquanto a inflação desacelera, o ritmo da atividade econômica também dá sinais de moderação. O Banco Central revisou para baixo sua projeção de crescimento do PIB para 2025, de 2.1% para 2%. O mercado, no entanto, mantém um otimismo cauteloso. A última edição do boletim Focus elevou a expectativa de expansão da economia para 2.25% em 2025. Esse cenário de crescimento modesto limita a pressão inflacionária por demanda, mas também ressalta o custo econômico de se manter os juros em patamares historicamente altos.
- O Papel da Meta Contínua: Um fator crucial neste contexto é a mudança para o sistema de meta contínua de inflação, vigente desde janeiro de 2025. Neste modelo, a meta deixa de ser avaliada apenas ao final de cada ano (dezembro) e passa a ser verificada mês a mês, sempre considerando o acumulado dos últimos 12 meses. Isso significa que o Banco Central precisa garantir uma trajetória descendente consistente, sem interrupções, o que reforça a necessidade de uma política monetária paciente e estável.
O impacto na vida real: consumo, crédito e investimentos
A taxa Selic não é apenas um número abstrato nos noticiários econômicos. Ela tem um efeito profundo e direto no bolso de empresas e famílias. Uma Selic em 15% ao ano age como um potente freio sobre a economia, com consequências que se dividem entre benefícios para o controle de preços e desafios para o crescimento.
Para o consumidor e para o crédito
- Custo do Crédito: A Selic é a referência para todas as demais taxas de juros da economia. Quando ela está alta, empréstimos, financiamentos e o rotativo do cartão de crédito ficam significativamente mais caros. Isso desestimula o consumo a crédito e o endividamento das famílias, reduzindo a demanda por produtos e serviços e, consequentemente, a pressão sobre os preços. É um remédio amargo, mas eficaz para conter a inflação.
- Consumo Retraído: Com crédito caro e a incerteza sobre o futuro, as famílias tendem a adiar a compra de bens duráveis, como carros e eletrodomésticos, e a reduzir gastos com serviços. Setores como varejo e construção civil são os que mais sentem esse efeito, já que sua dinâmica depende fortemente do crédito e do ritmo da economia.
- Poupança e Renda Fixa: Por outro lado, juros altos tornam aplicações de renda fixa, como Tesouro Selic, CDBs e fundos de crédito privado, mais atrativas. Quem tem recursos para poupar encontra opções com retorno nominal elevado, o que pode compensar, em parte, a perda do poder de compra causada pela inflação.
Para os investimentos e a bolsa de valores
- Atração para a Renda Fixa: A alta da Selic cria um custo de oportunidade para a renda variável (ações). Com a renda fixa oferecendo retornos altos e previsíveis, parte dos recursos dos investidores migra das ações para esses ativos mais seguros, reduzindo a liquidez e pressionando os preços na Bolsa de Valores (B3).
- Valuation das Empresas: Para as empresas listadas, juros altos impactam o cálculo do valor presente dos fluxos de caixa futuros. Em termos simples, o dinheiro que a empresa espera gerar no futuro vale menos no presente quando a taxa de desconto (a Selic) é elevada. Isso tende a reduzir o preço justo (valuation) das ações.
- Custo para as Empresas: Companhias que possuem dívidas atreladas a taxas de juros variáveis veem suas despesas financeiras aumentarem. Isso eleva o custo total do endividamento, comprime as margens de lucro e limita a capacidade de novos investimentos em expansão e inovação.
O que esperar para 2026?
O comunicado do Copom foi claro ao não dar pistas sobre o início do ciclo de cortes. A estratégia é de manutenção dos juros por um período “bastante prolongado”. O mercado financeiro, contudo, já projeta um alívio gradual a partir do ano que vem. As expectativas do Focus apontam para uma Selic em 12.25% ao final de 2026.
Essa expectativa de queda futura está atrelada a uma condição básica: a consolidação do controle inflacionário. Para que o BC inicie os cortes, precisa estar seguro de que o IPCA não apenas está dentro da meta, mas em uma trajetória firme de convergência para o centro da meta (3%). O comportamento do câmbio, os preços de commodities e as pressões de custos, especialmente nos serviços, serão fatores decisivos.
O momento atual é de transição e vigilância. A economia brasileira dá sinais de estar superando o pico inflacionário, mas o caminho até a estabilidade plena ainda requer paciência e uma política monetária firme. Para o cidadão, isso significa seguir navegando em um mar de crédito restrito e consumo comedido, mas com a esperança de que esse sacrifício atual pavimente o caminho para um crescimento mais sólido e sustentável no futuro próximo. Para acompanhar todas as análises sobre como esse cenário econômico afeta o Norte do Brasil, fique atento às publicações do Dnorte.