STF anula decisão da Câmara: Alexandre de Moraes decreta perda do mandato de Carla Zambelê
A Constituição brasileira não foi escrita para ser flexível diante de condenações criminais definitivas; ela determina, com letra firme, que um mandato parlamentar termina quando começa uma pena de prisão.
Em um dos capítulos mais emblemáticos da recente história política brasileira, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou nesta quinta-feira, 11 de dezembro, a decisão do plenário da Câmara dos Deputados que havia mantido o mandato da deputada Carla Zambelli (PL-SP). Em uma decisão com tom de reafirmação constitucional, Moraes determinou a perda imediata do mandato da parlamentar e ordenou que seu suplente, Adilson Barroso (PL-SP), seja empossado em um prazo de 48 horas.
O ato do ministro, que será submetido a julgamento virtual da Primeira Turma do STF nesta sexta-feira (12), é mais do que uma correção de curso. É uma lição sobre os limites dos poderes da República e um lembrete de que, em um Estado Democrático de Direito, a sentença judicial definitiva é a última palavra.
A inconstitucionalidade de uma votação
O cerne da decisão do ministro Moraes reside em uma interpretação cristalina da Constituição Federal. Em sua decisão, ele fundamentou que a votação do plenário da Câmara, realizada na noite de quarta-feira (10), “ocorreu em clara violação” à Carta Magna.
O artigo 55, inciso VI, da Constituição, é taxativo: “perderá o mandato o parlamentar condenado criminalmente com sentença transitada em julgado”. O parágrafo 3º do mesmo artigo estabelece que, nesses casos, cabe à Mesa da Casa Legislativa tão somente declarar a perda do mandato, por meio de um ato administrativo vinculado, sem margem para deliberação política.
“É o Poder Judiciário quem determina a perda do mandato parlamentar condenado criminalmente com trânsito em julgado”, escreveu Moraes, caracterizando a votação na Câmara como um “ato nulo” por “evidente inconstitucionalidade”.
Contexto e precedentes
A decisão do ministro não surge do vácuo. Ela se apoia em um entendimento consolidado pelo STF desde 2012, durante o julgamento do mensalão, de que a perda do mandato é automática a partir do trânsito em julgado da condenação. Isso porque, com a sentença definitiva, ocorre a suspensão dos direitos políticos do condenado, tornando-o inelegível e impedido de exercer o mandato.
Moraes citou, em seu despacho, casos anteriores de parlamentares como Natan Donadon, Ivo Cassol, Paulo Maluf e Paulo Feijó, que tiveram seus mandatos cassados por determinação do tribunal após condenações definitivas. A história recente mostra que, em 2013, a Câmara também tentou manter o mandato de Natan Donadon, decisão que foi suspensa pelo ministro Luís Roberto Barroso quatro dias depois.
A votação que deflagrou a crise
A decisão do STF foi uma resposta direta ao resultado da sessão plenária da Câmara dos Deputados. Na noite de quarta-feira (10), os deputados rejeitaram a cassação do mandato de Carla Zambelli.
A representação pela perda do mandato, apresentada pela própria Mesa Diretora da Casa, obteve 227 votos a favor, 110 contra e 10 abstenções. No entanto, conforme o regimento interno, para ser aprovada, a cassação precisava do apoio de 257 deputados – a maioria absoluta do total de 513 membros da Casa.
O resultado foi particularmente significativo por ter contrariado o parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Mais cedo naquele dia, a CCJ havia aprovado, por 32 votos a 27, um parecer do deputado Claudio Cajado (PP-BA) recomendando a perda do mandato. O relator original, deputado Diego Garcia (Republicanos-PR), havia defendido a manutenção do mandato, argumentando sobre a “fragilidade” das provas, mas seu relatório foi rejeitado.
A defesa de Zambelli sustentou, até o último momento, que a condenação se baseava no depoimento considerado questionável do hacker Walter Delgatti e que a cassação prejudicaria seu processo de extradição.
O longo caminho até a condenação
A perda do mandato é a etapa final de um processo judicial que se desenrolou ao longo de anos. Carla Zambelli foi condenada em definitivo pelo STF a dez anos de reclusão pelos crimes de invasão de dispositivo informático e falsidade ideológica.
A condenação refere-se à sua atuação como autora intelectual da invasão aos sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2023. Segundo as investigações, o objetivo do ataque hacker, executado por Walter Delgatti, era inserir documentos falsos no sistema, incluindo um mandado de prisão forjado contra o próprio ministro Alexandre de Moraes.
A pena foi agravada, conforme descrito no voto de Moraes, pelo “comportamento social desajustado ao meio em que vive a acusada” e pelo “desrespeito às instituições e à democracia”.
A fuga e a prisão na Itália
Antes mesmo do trânsito em julgado da condenação, Zambelli deixou o Brasil. Por possuir dupla cidadania (brasileira e italiana), ela viajou para a Itália em junho, buscando, segundo sua defesa, asilo político.
Em 29 de julho, ela foi presa em Roma, onde já era considerada foragida pela Justiça brasileira. O governo brasileiro solicitou oficialmente sua extradição, e o Ministério Público italiano já emitiu parecer favorável ao pedido.
O processo de extradição, no entanto, está em andamento. A Justiça italiana chegou a suspender uma audiência para esclarecer questões sobre o sistema prisional brasileiro com o ministro Moraes. Uma nova audiência decisória está marcada para a próxima quinta-feira, 18 de dezembro.
O significado institucional: quem decide e quem declara
Para além do caso específico, a decisão de Moraes acende um debate profundo sobre os limites e as competências dos Poderes da República.
Especialistas em Direito Constitucional reforçam que a Câmara não pode substituir o STF no papel de guardião da Constituição. O professor Pedro Estevam Serrano, da PUC-SP, explica que não cabe à Casa Legislativa “verificar se a decisão é justa ou não”. “Quem julga é o Supremo Tribunal Federal e o órgão o fez”, completou a doutoranda Adriana Cecílio, da USP.
A análise constitucional aponta que há uma diferença fundamental entre os casos em que a Câmara decide (como em quebras de decoro parlamentar) e aqueles em que ela apenas declara um efeito jurídico já consumado (como uma condenação criminal definitiva). Ao tentar deliberar sobre o segundo, a Câmara incorreu em um desvio de finalidade e invasão de competência.
Este episódio não é inédito. Como mencionado, em 2016, o Senado ignorou uma decisão do STF que mandava afastar o senador Renan Calheiros, e a Câmara fez o mesmo com Natan Donadon em 2013. Tais situações, na avaliação do mestre em Direito Georges Abboud, são “indicativas de um funcionamento anômalo das instituições”.
Conclusão: a Constituição como bússola
A anulação da votação da Câmara pelo ministro Alexandre de Moraes é mais do que uma reviravolta política. É um reposicionamento das engrenagens do Estado. O episódio demonstra, de forma contundente, que a Constituição Federal não é uma sugestão, mas um conjunto de regras que define, com precisão, a separação de poderes.
A determinação para que o suplente de Zambelli tome posse em 48 horas e a submissão da medida ao crivo dos demais ministros da Primeira Turma são passos que buscam restitur a normalidade institucional. Enquanto isso, o destino final de Carla Zambelli – se cumprirá sua pena no Brasil ou na Itália – ainda aguarda a decisão da Justiça italiana, marcando o próximo capítulo desta complexa narrativa que envolve justiça, política e os limites da soberania nacional.
Em um momento de intensa polarização, a lição que fica é a de que, na democracia, a última palavra sobre a lei não pertence aos holofotes da política, mas às letras estáveis da Constituição e à interpretação soberana do Poder Judiciário.
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